sábado, 17 de agosto de 2013

Sétimo Livro Caído da Estante - "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão"

      Falo agora de um livro de qual sou fã e de uma autora da qual sou muito fã. Já separei meu babador, mas aviso que vai ser difícil conter as palavras elogiosas. O propósito do blog é fazer resenhas, mas, mais do que isso, é deixar registrada minha opinião sobre os livros, o que pode tornar-se algo pedante, mas não pernóstico. Enfim, seja como for, existem livros e autores pelos quais vou babar e só falar bem. Hilda Hilst é uma delas. 
        Fiquei uns dias pensando em qual seria o livro sobre o qual eu escreveria nesse espaço. Talvez falar de algo bem recente (Bruna Beber e Juliana Frank já se encaixaram nessa idéia). Resolvi então buscar algo que eu já tinha lido há mais tempo ou que fosse mais antigo. Pensei em falar de algum de nossos clássicos, mas não me senti muito à vontade de fazer isso. Por mais que tenha vontade de falar do grande Machado de Assis ou do meu amigo Eça de Queirós, achei que tinha mais a ver se eu falasse de coisas mais novas. Aí lembrei de uma poeta que é clássica, mas não da mesma forma. 

      Todo mundo conhece Machado de Assis e Eça de Queirós. São clássicos famosos, lidos, amados ou odiados em escolas de todo o Brasil. Nem todo mundo conhece a maravilhosa poeta Hilda Hilst. Esse erro histórico tem sido reparado e temos que brigar para que o seja cada vez mais. Hilda reclamou a vida inteira por não ser lida. Seus livros eram muito falados pela crítica especializada, mas isso não fazia muito sentido para ela. Queria ter leitores, queria ter sua obra divulgada em seu país. 
     Bacharel em Direito, abandona tudo para viver em Campinas e escrever, em 1965, aos 35 anos. E aqui, na sua Casa do Sol, escreve pelo resto da vida. Na década de noventa inicia sua trilogia erótica "O Caderno Rosa de Lori Lemby", "Cartas de um Sedutor" e "Contos d'Escárnio.Textos grotescos". Era uma forma de tentar ser lida. 
     Fez canções com o grande Adoniran Barbosa e, muito mais tarde, com o grande Zeca Baleiro, também na tentativa de ser lida e ouvida. 
       "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão" é uma ode a uma de suas paixões platônicas, o jornalista Júlio de Mesquita Neto, as iniciais JMN. A paixão nunca se concluiu e o livro mostra desde o início dessa vontade de ficarem juntos até o fato do eu-lírico (que se confunde em Hilda e Ariana) suprimir esse amor impossível. É desse livro que Zeca Baleiro tira os versos para seu disco em homenagem a Hilda, com canções nas vozes de Angela Maria, Mônica Salmaso, Maria Bethânia, Ná Ozzetti, entre outras. 
       Hilda é uma artista muito querida para mim e para muita gente. Lutou a vida inteira pela literatura, amargando períodos injustos de completo ostracismo. Sempre muito generosa, abrigou em sua casa Caio Fernando Abreu e Mora Fuentes, escritores que estavam meio perdidos e que ela acolheu com carinho. Hilda viu sua obra ser toda relançada pela Editora Globo em 2001 (e agora rerelançada em 2013). Deve ter ido feliz para o planeta Marduk (para onde ela acreditava que íamos depois da morte), em 2004, sabendo que sua alma deixava a Terra, mas a sua poesia permanecia viva. 

 "Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio, 
Que a teu lado te amando, 
Antes de ser mulher sou inteira poeta. 
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio, 
É o que move o grande corpo teu

Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.
(Canto II da Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé. De Ariana para Dionísio, um dos capítulos do lívro) 



Entrevista da Hilda Hilst na TV Cultura em 1990 - veja aqui!

domingo, 11 de agosto de 2013

Isso não é verdade, mas bem que poderia ser...

   Eu estava aqui escrevendo essa última resenha quando recebi o link de uma amiga - minha querida Thaís Ferraz, poetisa de mão cheia - mostrando Home Offices "perfeitos" no mundo inteiro. Apaixonei-me por um deles e tenho que reproduzi-lo aqui. Quem sabe ele me traz sorte e eu finalmente consigo achar meu cantinho? 


Quarto, quinto e sexto livros caídos da estante - "Apupos e Rapapés", "Balés" e "A Fila Sem fim dos Demônios Descontentes"

     Esse ano realizei um sonho de muito tempo. Fui à Flip (Feira Literária Internacional de Paraty).  Essa feira é uma espécie de Meca para todos os autores, livreiros, estudantes de letras e interessados em cultura em geral. Fazia tempo que queria ir, mas nunca me sobravam dinheiro ou tempo. Tive a sorte então de conseguir ir esse ano e me diverti muito. A feira é formada por algumas tendas - estruturas metálicas que lembram um circo, mas que eram bem reforçadas para receberem muitas pessoas - de temas diversos. Dentro das determinadas tendas aconteciam as mesas - reuniões de autores de gêneros semelhantes ou diferentes para que debatessem um tema ou vários. Enfim, uma alta voltagem de cultura por minuto. Tive contato com gente muito interessante do meio, conheci pessoas fantásticas e comprei mais de vinte livros. Experiência sim inesquecível. 
     A primeira mesa falava sobre a literatura debaixo d'água ou da poesia debaixo d'água, algo assim, (na verdade, não me ficou claro porque algo tinha que estar debaixo d'água, mas tudo bem) e foram somente mulheres convidadas. Três poetisas e uma jornalista/professora/também escritora. Os nomes foram Alice Sant'Anna, Ana Martins Marques, Noemi Jaffe e Bruna Beber. 
    A discussão foi bastante interessante e uma das primeiras questões levantadas por Noemi era a densidade da poesia, a maturidade da poesias daquelas três jovens meninas. Ela ficou impressionada com os versos de todas, uma tristeza aguda, uma certa ironia fina sobre as coisas do mundo, escritas por alguéns de tão pouca idade. Em tempo: Alice tem 25 anos, Bruna 29 e Ana 36. 
    Acho que Noemi esperava talvez suas poesias fossem mais claramente românticas em termos de escola literária. talvez ainda não espere que uma mulher escreva sobre suas angústias e seus medos de forma tão clara. Não sei bem o que ela pensava, o que eu sei é que fiquei completamente apaixonado pela poesia das três. 
     O livro de Alice abre com um poema sobre um rabo de baleia que poderia passar pela sala e tirar o eu-lírico daquele marasmo em que se encontrava. Talvez de um relacionamento acabado, talvez de uma sala da casa dos pais, talvez de um sanatório, nada fica claro, mas a beleza está justamente nisso. Ana Martins Marques faz um poema sobre uma fruteira e, de um objeto tão comum, consegue falar sobre a vida. 
     Das três, quem mais me impressionou foi Bruna Beber. Ela leu dois de seus poemas, mas o que mais me impressionou foi "Romance em Doze Linhas", que não está em nenhum dos três livros que caíram agora da minha estante, mas no seu lançamento - "Rua da Padaria", que saiu pela Record e é bem fácil de achar em qualquer livraria. Transcrevo: 

"quanto tempo falta pra gente se ver hoje
quanto tempo falta pra gente se ver logo
quanto tempo falta pra gente se ver todo dia
quanto tempo falta pra gente se ver pra sempre
quanto tempo falta pra gente se ver dia sim dia não
quanto tempo falta pra gente se ver às vezes
quanto tempo falta pra gente se ver cada vez menos
quanto tempo falta pra gente não querer se ver
quanto tempo falta pra gente não querer se ver nunca mais
quanto tempo falta pra gente se ver e fingir que nunca se viu
quanto tempo falta pra gente se ver e não se reconhecer
quanto tempo falta pra gente se ver e nem lembrar que um dia se conheceu" 

     Eu estava prestando atenção à mesa, às falas, a tudo que acontecia no palco, mas quando Bruna leu esse poema, com sua voz carioca cheia de chiados e cadências, acho que perdi meu chão. Naquele momento sabia que havia me apaixonado pela sua literatura. E a paixão foi tanta que passei na livraria e comprei todos os seus livros que agora figuram na minha estante, todos autografados. Depois, durante a Flip, ainda conversei mais um pouco com Ana Martins, com Alice, até rapidinho com Noemi, mas não falei nada com Bruna. Estava em uma festa e a vi de longe, fumando com uns amigos do lado de fora da casa, mas não quis conversar. Ela já tinha me dito tudo que eu queria ouvir. A poesia de Bruna é simples, mas certeira. Métricas, rimas podem aparecer, mas não são perseguidas. 

    Ela é uma daquelas artistas que simplesmente tem que ser lidas em sua totalidade. Daquelas que me fazem procurar em sebos, livrarias, casas de amigos, obcecam-me até o fim de sua obra. Entre seus três livros, gostei muito dos "Apupos e Rapapés" que me fizeram ir até o dicionário para saber o que significavam. O primeiro é o mesmo que vaia e o segundo que mesura, o que transforma o título do livro em uma sacada muito boa. 
    Os três primeiros livros de Bruna saíram pela Sete Letras, editora carioca um tanto quanto difícil de ser encontrada aqui por São Paulo, mas não impossível. Procurem por Bruna Beber - Rua da Padaria em suas livrarias favoritas e tenham em sua estante de poesia uma das maiores da novíssima poesia brasileira. Ela ainda vai alçar muito vôos. Assim espero e assim desejo. Boa sorte, Bruna! 

sábado, 3 de agosto de 2013

Terceiro livro caído da estante - "Meu Coração de Pedra-Pomes"

         Há anos fala-se tanto em matéria e anti-matéria. E como seria se se falasse de literatura e anti-literatura? Esse conceito de anti-literatura é bastante questionável, já que discussões sobre o que de fato é a literatura ocupam páginas de teses de mestrados e doutorados há vários séculos. Literatura boa ou ruim é uma conversa bastante relativa. Boa aos olhos de quem e ruim aos olhos de quem? Podemos estabelecer padrões para uma avaliação de textos tão díspares? Mesmo se os colocássemos em grupos, poderia julgar que um poeta ou romancista é melhor que o outro? Pode ser a arte algo tão aritmético?
        Foi em tudo isso que pensei ao acabar o novo livro de Juliana Frank, de São Paulo. Depois de "Quenga de Plástico" e "Cabeça de Pimpinela", Juliana estréia na Companhia das Letras com um anti-romance (se é que podemos chamá-lo assim) sobre uma faxineira de nome (ou codinome) Lawanda. A autora cria para si logo na primeira página uma cena de julgamento em que tem de defender a necessidade de seu romance. O júri diz que é um livro inútil e ela replica: "Não é inútil. É apenas um livro desnecessário."
           Ao longo do livro acompanhamos Lawanda e suas peripécias pelo hospital fazendo macumbas e serviços escusos para os pacientes. Ela mora em uma pensão e uma tia que paga o aluguel. O pai largou a mãe e não tem mais contato com ela e a mãe está longe, pois Lawanda e o novo namorado não se dão bem.
         Falou-se uma época na dessacralização da literatura e acho que é exatamente isso que Juliana Frank faz em seu livro. As histórias não precisam necessariamente apresentar grandes lições de moral ou epifanias, podem ser simples e exatamente nessa simplicidade que a história de Frank ganha força. Temos uma empatia instantânea por Lawanda, apesar de sabermos que ela é uma doida de pedra, fascinada por borboletas e por colá-las em suas calcinhas.
Livro curto, 109 páginas, pode ser lido em poucas horas. É um livro estranho e minha opinião ainda está um tanto confusa. Ainda não consigo dizer se gostei ou não. Estou pensando para o lado positivo, mas ainda algumas coisas me incomodaram, mesmo entendendo o propósito do livro. Palavrões demais. Palavrões que às vezes não cabem na cena. Acho que seja um defeito desse livro.
Espero que vocês possam lê-lo, para que possamos conversar sobre ele.
Juliana é uma das grandes expoente dessa nova geração que não tem medo de experimentar.